Mantenha seu gato-doméstico em casa

Eduardo Guimarães 



Em outros textos abordei como os outros animais influenciam nossa vida, inclusive dando ênfase ao aumento do nosso bem-estar. Também destaquei como as domesticações foram relevantes em nossa história evolutiva mais recente, modelando nosso mundo atual. Agora pretendo abordar um assunto um pouco espinhoso e que levanta muitos sentimentos conflitantes. A primeira vez que me deparei com essa reflexão foi quando fazia estágio no Zoológico de Brasília. Na época, ainda um aluno no início dos estudos, desconhecia totalmente a importância da questão discutida naquela sala. O tema: o que fazer com os gatos-domésticos que vivem livres dentro das áreas do zoológico? Na época a discussão não teve nenhum desfecho prático. O interessante é que o problema persiste até hoje, após quase 10 anos. Afinal, qual o problema? e por que é tão difícil de resolver? Apesar do incômodo, cada vez mais acredito que temos que olhar os fatos. Então, vamos lá…

Domesticação dos gatos
Apesar de difícil datar de forma exata o momento da domesticação, pistas arqueológicas, históricas e genéticas têm preenchido algumas lacunas sobre a domesticação dos gatos-domésticos. Sabemos hoje que a domesticação dos gatos ocorreu depois que os humanos construíram casas, fazendas e assentamentos, entre 3.500 e 9.500 mil anos atrás (eu disse que é difícil datar com precisão!). Gatos domésticos aparecem, por exemplo, em pinturas de tumbas datadas de 3.600 a.c. no novo Império egípcio e o registro arqueológico mais antigo data de 9.500 atrás no Chipre.

Quem já criou gatos sabe que o animal é bem diferente dos outros animais domésticos. Escutei por várias vezes de amigos que criam gatos comentários como: “ele não tá nem aí pra mim”, “eu que sou o criado dele”, ou mesmo “gatos não tem donos, é um bicho selvagem”. O interessante é que os registros genéticos têm confirmado parte dessa percepção. Uma análise genética ampla mostrou que os gatos-domésticos que criamos não diferem muito geneticamente dos gatos selvagens. De forma mais clara, para a ciência ele não passa de uma subespécie (uma população ligeiramente diferente), do gato-selvagem-africano. Não vou entrar nos termos científicos das definições de subespécies (os próprios cientistas discutem o tema), mas é importante imaginar que espécies com amplas distribuições, que ocorrem em diferentes ambientes, apresentam distinções importantes que podem isolar essas populações e, ao longo do tempo, podem levar ao surgimento de uma espécie nova. Assim, esses novos estudos trazem algo à tona que parece que nós já tínhamos percebidos a tempos: os gatos não são totalmente domesticados. Isso levou os pesquisadores a sugerirem que é possível que o processo de domesticação dos gatos seja incompleto. Essa informação é relevante quando pensamos em manejar a espécie, afinal de contas entender a espécie é o primeiro passo para pensar em um planejamento. Mas afinal, por que eu preciso me preocupar com os gatos?

Gato doméstico dentro de um recinto dos jabutis no Zoológico de Brasília. Eduardo G. Santos

Qual o problema dos gatos-domésticos?
Eu diria que não tem nenhum problema, caso fossem criados de forma responsável! Para explicar preciso trazer alguns números….

Para entender qual o impacto de uma espécie que não pertence àquele ambiente, os cientistas utilizam vários métodos. No caso de animais que comem plantas eles tentam mensurar a quantidade de plantas consumidas e medem como esse novo pastejo (de um animal que não era do ambiente) influencia os animais locais. Será que está faltando comida pros animais que já viviam ali? será que esse novo pastejo está degradando o solo? etc. No caso dos gatos-domésticos, por serem predadores carnívoros, a primeira pergunta é simples: quantos animais eles estão matando? A resposta é aterrorizante!

Para começar, os gatos são tidos como responsáveis pela extinção de pelo menos 33 espécies de aves ao redor do mundo, em sua maior parte em ilhas. Além disso, estimativas ao redor do mundo têm mostrado que esse impacto é sentido também nos ambientes continentais. Em trabalho realizado nas áreas rurais polonesas, por exemplo, cientistas estimaram, com base em suas observações em campo, que os gatos consomem cerca de 583 milhões de mamíferos e 135 milhões de aves anualmente. Veja bem, esta estimativa é só para as regiões rurais da Polônia! Esse número leva os pesquisadores a concluírem que o impacto ao meio ambiente é enorme, principalmente quando se pensa nas aves. No Canadá, gatos-domésticos matam entre 100 e 350 milhões de aves por ano. Nos Estados Unidos o número é estimado entre 1,3 e 4 bilhões de aves e 6,3 e 22,3 bilhões de mamíferos. Na costa do mar mediterrânio ocorre uma espécie marinha que está ameaçada de extinção, a Puffinus yelkouan (parentes dos petréis, que ocorrem na costa brasileira). Um dos impactos mais relevantes encontrado para o declínio populacional dessa espécie é a predação por gatos-domésticos, sendo responsável pela morte anual de 810 a 3241 aves.

Vou ficar apenas nesses poucos exemplos para você entender o problema. Entretanto, é bom ter em mente que isso ocorre em todo o mundo, com um consenso entre pesquisadores preocupados com a conservação da fauna local: os gatos são danosos e seu impacto deve ser considerado…

Nas áreas urbanas é comum observar os gatos em ação, apesar de seu comportamento de caça ser mais noturno. Veja abaixo, por exemplo, um vídeo gravado por uma colaboradora do nosso projeto aqui em Brasília, a Zélia Vieira. No vídeo é possível observar o gato tentando caçar, enquanto todas as aves fazem barulho e atacam o gato. Esse comportamento de sinalização e ataque do possível predador é bem comum entre as aves (conhecido no meio científico como Comportamento de Tumulto ou “Mobbing”, pretendo contar um pouco sobre esse comportamento interessantíssimo em outro texto).


Então, o que fazer?
Existem diferentes atuações para resolução do problema. Muitos estão fora de nosso alcance sendo responsabilidade de gestores públicos no planejamento e manejo desses animais (principalmente os animais ferais, que não possuem nenhum dono). Mas para você leitor que, como eu, gosta dos gatos e está também preocupado com a fauna que nos cerca eu recomendo: mantenha seu gato em casa… as aves da janela agradecem!!

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Comentários

Zélia Teles disse…
Que texto maravilhoso. Tem ótimas informações que eu desconhecia 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
Instituto Jurumi disse…
Agradecemos Zélia! Até logo!!
Thaís Lôbo disse…
Nossa, Eduardo. Eu nunca tinha pensado nisso. Aqui temos um gato e uma cachorra. O gato não sai de casa porque tenho medo de ele se perder. Mas a minha cachorra pegou um pássaro voando baixo há uns meses atrás. Foi uma loucura para fazer ela soltar. O pássaro se machucou, mas não morreu. Muito bom o seu texto.
Instituto Jurumi disse…
Oi Thaís! Agradecemos o seu contato e relato. Continue acompanhado as notícias do projeto. Até logo!
Zélia Teles disse…
Em casa Os gatos também ficam protegidos de doenças e maus tratos

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