Natu 31

Espécie • Ariranha (Pteronura brasiliensis
Ela apresenta manchas brancas em sua garganta e tem a porção terminal da cauda achatada. A pelagem é curta, com uma coloração em tons de marrom, com pés largos e dedos unidos por membranas. As ariranhas são mamíferos sociais, vivem em grupos monogâmicos em cooperação reprodutiva. Elas se tornam maduras a partir de dois anos de vida, com fêmeas que reproduzem por mais de 10 anos e machos até os 15, aproximadamente. É considerada uma lontra, a maior delas, ocorre em boa parte da América do Sul. No Brasil a espécie ocorria em boa parte dos biomas, mas sofreu uma queda populacional decorrente principalmente da caça. No Cerrado, por exemplo, dados sobre ocorrência de ariranhas são insuficientes. Atividades como desmatamento e alteração no regime de áreas aquáticas também contribuíram para pressão sobre esses animais.  A espécie é considerada ameaçada de extinção, em diferentes níveis, até mesmo  Provavelmente Extinta para alguns locais da ocorrência natural. São animais de importância ecológica e diretamente associados à qualidade ambiental e áreas úmidas. Para saber mais conheça o Projeto Ariranhas.

Na trilha • Os sentidos 
As trilhas são uma boa oportunidade para viver os sentidos. A vista de lugares lindos, paisagens, recantos e panoramas especiais. Os cheiros ao longo do percurso, vindos dos frutos em temporada, da floração ou da demarcação de área de vida de um bicho. O tato ao interagir em cada momento, seja nas folhas mais ásperas nos galhos que insistem em atravessar a trilha ou do vento que sopra em múltiplas direções. Tem a arte de ouvir cada movimento, o canto das aves, o barulho de água que escoa, de animais em interação na vegetação e tantos outros sons e também conhecer alguns sabores. Não é à toa que se fala em mergulho ou banho de natureza, uma vez que é possível vivenciar situações ao mesmo tempo, como ver e ouvir alguma espécie da biodiversidade ao trilhar. Na trilha as atividades são realmente inclusivas dada a riqueza de detalhes, muitas vezes ao mesmo tempo e com possibilidade de vivê-las em muitos sentidos. Se alguém não possui mais o sentido da visão, pode desfrutar de sons da natureza, além de tatear ventos e folhas ao fazer o trajeto e compartilhar momentos com o grupo. Até mesmo o paladar é possível de ser vivenciado com frutos, por vezes de sabor mais forte, agridoce. Mas aqui um alerta, esse sentido precisa de cuidado, pois alguns frutos podem não fazer bem, por isso é importante conhecer. Uma boa pedida é fazer cursos sobre identificação botânica. Siga as instruções de cada trilha, aproveite os sentidos e tenha uma boa experiência!

Entrevista • Formigas, pesquisas e biodiversidade por Ricardo Eduardo Vicente  
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Mestrado e Doutorado em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Concluiu pós-doutorado na UNEMAT como pesquisador no programa de fixação de doutores DCR – Desenvolvimento Científico Regional (FAPEMAT/CNPq) coordenando o projeto de pesquisa intitulado: Dinâmica de formigas amazônicas dominantes habitantes de Jardins de formigas e interferência sobre a biodiversidade e processos ecológicos em clareiras florestais na Amazônia. Além disso, desenvolvi pesquisa como DTI-FUNDEP no projeto "Efeitos do Fogo no Pantanal", no qual continuo participando como pesquisador colaborador. Atualmente participo do Programa de Capacitação Institucional do Instituto Nacional da Mata Atlântica (PCI/INMA), desenvolvendo pesquisa com formigas dos ecossistemas rupícolas da Mata Atlântica. Desde 2004, venho desenvolvendo atividades de pesquisa e extensão em Biodiversidade de Formigas Neotropicais. Tenho como Interesses principais Ecologia, Diversidade e História Natural de formigas (Formicidae); Interação Animal-Planta; Biologia da Conservação, Padrões de estruturação de comunidades, Extensão universitária e Popularização da ciência. Acesse o website: www.ricardomyrmex.com

O que te motivou a cursar Ciências Biológicas?
No meu ensino médio eu trabalhava numa farmácia na cidade de Paranaita, norte do Mato Grosso, e estava cativado a fazer farmácia e bioquímica, mas como não tinha no interior e o curso mais próximo que talvez eliminasse algumas matérias era biologia, então iniciei biologia com intuito de mudar de curso futuramente. Mas com o tempo fui gostando tanto do curso que nem lembrava mais do outro. Depois que comecei a refletir que desde criança dava para perceber que Licenciatura em biologia era o curso dos meus sonhos. Desde pequeno minhas brincadeiras eram de professor de ciências, montar zoológicos, era um amante incondicional dos seres vivos.

Qual maior desafio encontrou pelo caminho percorrido até aqui?
Bom, os desafios que encontro ainda até hoje são os comumente encontrados em ciências básicas. Falta de recursos e financiamento para pesquisas, falta de oportunidades e de fixação de doutores em institutos de pesquisa e universidades, principalmente nos interiores onde os desafios são maiores e batem a nossa porta. As pessoas (consequentemente os gestores) não entendem que a estabilidade gera maior engajamento em desenvolver pesquisas de longo prazo, mas quando se termina o doutorado a maioria das oportunidades chamadas de bolsas (que são empregos sem direitos trabalhistas) são de 6 meses a 1 ano. Como que se faz uma pesquisa do zero em tão pouco tempo, considerando que a gente precisa fazer mudança, chegar numa instituição nova e fazer as coisas andarem, quando se entende os processos da instituição e consolida parcerias para começar a coletar os dados, o prazo já está no fim. Toda análise e amadurecimento das discussões é feita às pressas, contribuindo tão pouco para o desenvolvimento e amadurecimento do pesquisador. 

O quão significa para você, trabalhar em prol da conservação da biodiversidade?
Tive contato com o tema quando na graduação comecei a ler o livro Biodiversidade (Wilson 1997), e logo em seguida, Biologia da Conservação (Primack & Rodrigues 2001). Estava descobrindo ali a grande riqueza do mundo, mas que já estava ameaçada. Foi nessa descoberta que me animei no mestrado a trabalhar com efeito da fragmentação sobre a biodiversidade, sendo orientado pelo Dr. Thiago Izzo e Dr. Carlos Peres, que são grandes referências em ecologia e conservação dos biomas brasileiros. Hoje eu vejo o quanto é difícil conciliar os egos humanos com a ciência e desenvolvimento nesta área, por isso sou um entusiasta em reforçar constantemente a importância da conservação e colaborar com iniciativas diversas que levem a popularização das ciências e da nossa responsabilidade, bem como atividade que levem ao reencantamento do mundo pelo nosso planeta.

Por que escolheu trabalhar com formigas?
No meio de minha graduação, eu era tão apaixonado e fascinado por tudo, mas a interação entre animais e plantas era algo que me fascinava de um jeito diferente, e acho que foi um sentimento que despertou com força após ler Ecologia Vegetal nos Trópicos (Janzen 1980). Nessa época, eu tinha uma professora de botânica, professora Ivone Silva, que cativava nossa curiosidade sobre biologia e anatomia das plantas. Fazia a gente mergulhar fundo em coisas que não víamos daqueles seres complexos que eram as plantas. Em contrapartida, o professor veterinário Alexandre Faria, nos falava com empolgação sobre a fisiologia e comportamento de vertebrados. Isso me levou a escrever meu primeiro projeto de monografia aliando as duas áreas, pensando em dispersão de sementes por animais. Enquanto esbarrava nas primeiras dificuldades em executar o projeto, a fabulosa e cativante Ligia Ebúrneo, me apresentou um egresso daquela instituição (UNEMAT) que atualmente era professor da UFMT, e que estava nos visitando, o Dr. Leandro Battirola. Ele trabalhava com artrópodes em copas de árvores e eu fiquei fascinado pelo assunto e o grupo de artrópodes, que já vinham me despertando tímido interesse. O contato com ele, assistindo uma palestra sua e lendo suas publicações me levaram a repensar meu projeto de monografia. Foi quando um professor, Djalma, me apresentou a professora Dra Solange Arrolho, que estava afastada, por isso não a conhecia ainda, mas que tinha trabalhado com formigas cortadeiras. Aquela possibilidade de trabalhar com a relação animal planta, sendo o animal um artrópode, era um sonho sendo realizado. Por sorte minha professora Solange aceitou orientar aquele aluno deslumbrado com ciência e cá estou trabalhando com o tema até hoje. Agradeço imensamente a professora Solange e demais envolvidos nesse percurso por ter dado vazão a esse sonho.

Conte-nos um pouco sobre a experiência de passagem pelos Museus - Museu Paraense Emílio Goeldi e o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, MZSP. O que mais gostou?
Minha primeira experiência foi no Museu da USP, onde tive meu primeiro contato com uma coleção de referência e com uma das grandes celebridades em mirmecologia (estudo das formigas), o Dr. Roberto Brandão. Era meu primeiro contato com um cientista de tal notabilidade e importância para a ciência brasileira. A timidez do jovem estudante do interior que estava numa metrópole não ajudava, mas ainda bem que Brandão é um lord gentil e comunicativo. Na oportunidade conheci outros colegas como Emília Albuquerque, Livia Prado, Rodolfo Probst, Rodrigo Feitosa e Rogerio Rosa, que me deram suporte durante minha estadia e se tornariam grandes amigos e grandes nomes da mirmecologia, assim como Brandão, seu orientador. Foi nessa experiência que conheci nomes que anos depois tive a satisfação de reencontrar no Museu Goeldi, quando fui trabalhar sobre supervisão do Dr Rogério Rosa, e colaboração de Emília e Livia, que tinha conhecido no MZSP. Nessa oportunidade no MPEG conheci e trabalhei na curadoria da coleção junto a equipe do AntMor que estava recuperando a coleção e conheci outras grandes referências em mirmecologia que estavam nascendo ali no MPEG. Ambas experiências foram únicas, fabulosas e contribuíram para minha capacitação e fascínio por Museus de biologia e coleções biológicas, além de terem despertado em mim um grande carinho e admiração pelos colegas taxônomos. Ensinamentos e parcerias estas que trago até hoje e me ajudam nas atividades no Museu Biológico Mello Leitão, onde estou atualmente e pela primeira vez aqui, tenho a felicidade em receber a Dr. Livia para aplicar esses conhecimentos adquiridos, durante o curso “Coleções biológicas: Da incorporação à difusão” realizado pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica durante o período de 31 de outubro de 2022 a 11 de novembro de 2022. 

Qual dos biomas, Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica, mais gostou ou gosta de pesquisar? Explique.
Eu nasci e me formei no norte do Mato Grosso onde pesquisei por mais de 10 anos debaixo da sombra das exuberantes florestas amazônicas, tendo passado por várias instituições na Amazônia como UNEMAT, UFMT, INPA e MPEG. Pantanal eu comecei a desenvolver estudos ano passado no SESC Pantanal com pesquisa em Manejo Integrado do Fogo (MIF - https://www.estadaomatogrosso.com.br/cidades/pesquisadores-estudam-os-incendios-no-pantanal-para-embasar-politicas-publicas-de-manejo-e-prevenir-incendios-catastroficos/40127). Por fim, a Mata Atlântica eu fui conhecer esse ano por estar atualmente desenvolvendo pesquisa com uma equipe fabulosa de pesquisadores no Instituto Nacional da Mata Atlântica, mas também já foi o suficiente para me encantar pela complexidade e heterogeneidade deste bioma, bem como pela encantadora diversidade de epífitas. Então seria injusto tecer qualquer comparação, até porque cada bioma tem suas peculiaridades e encantamentos. Além disso, ambos têm suma importância na manutenção da vida na Terra como conhecemos hoje, tanto relacionada aos serviços ecossistêmicos prestados pela natureza, quanto relacionada a biodiversidade única de cada um destes biomas. Biodiversidade esta que possui um histórico interativo e evolutivo que pode nos ensinar muito sobre vários aspectos da vida neste planeta, desde convívio social até o uso sustentável de recursos e de tecnologias biológicas.

Como foi coordenar o projeto de pesquisa da dinâmica de formigas amazônicas?
Foi uma experiência muito gratificante desenvolver pesquisa sobre os incríveis Jardins-de-formigas amazônicos que eu já vinha estudando desde o doutorado e como esse sistema ecológico tão incrível e desconhecido influencia os serviços ecossistêmicos e a dinâmica das outras formigas amazônicas. Foi ainda mais gratificante coordenar este projeto estando na universidade onde me formei (UNEMAT) em parceria com Drª Ivone que foi uma inspiradora professora em minha graduação e toda fabulosa equipe do Laboratório de Anatomia Vegetal, especialmente Andreia Pereira e Willian Schornobay que participaram ativamente de todo processo. Este projeto teve financiamento da Fundação do Estado de Mato Grosso e apoio da ONF Brasil, UFMT, e o NEBAM - Núcleo de Estudos da Biodiversidade da Amazônia Matogrossense do PPBio. Este projeto trouxe a luz várias novidades, sendo grande parte resumida em uma revisão em português publicada durante a execução do projeto (https://doi.org/10.46357/bcnaturais.v15i1.236) e outras posteriores que estão sendo comunicadas até hoje, como por exemplo que as formigas protegem as plantas de perto dos jardins (http://dx.doi.org/10.1111/btp.12886), mas cortam as plantas “não amigas” que começam a nascer nos ninhos, cultivando assim seu jardim (http://dx.doi.org/10.1007/s11829-021-09825-5). Além disso, que uma espécie de formiga inicia o ninho, Crematogaster levior, e conforme o ninho “cresce”, a proporção da sua formiga amiga Camponotus femoratus começa a aumentar (https://doi.org/10.1007/s00040-020-00798-x), usando bem a habilidade de cada espécie para a manutenção do jardim. Os resultados do projeto tiveram visibilidade nacional e internacional (http://reflorestamentoecarbono.com.br/2019/05/07/pesquisadores-belgas-consideram-a-fazenda-sao-nicolau-um-paraiso-para-os-biologos/ ; https://blog.willyvanstrien.nl/2021/04/19/hanging-baskets/
Portanto foi uma experiência única como jovem doutor. 

Durante esse período de estudos e pesquisas, teve muitos encontros com tamanduás-bandeira? 
Durante minhas pesquisas eu lembro de ter visto tamanduás de diferentes espécies, que eu acredito ser o Bandeira e o Mirim. Tive até algumas discussões sobre o grupo com a amiga Marina Lima da Silva que ia trabalhar com a espécie durante o mestrado no Pantanal, mas imprevistos aconteceram e os tamanduás foram coadjuvantes em sua dissertação. O Bandeira eu lembro de ter visto tanto na Amazônia nos módulos do PPBio no Parque Estadual do Cristalino e na Fazenda São Nicolau gerenciada pela ONF Brasil, quanto no Pantanal na reserva de pesquisa do SESC Pantanal. Aqui na Mata Atlântica ainda não vi, talvez porque infelizmente ele esteja extinto do Espírito Santo. Se tamanduá gosta de formiga, então temos algo em comum, então eu também gosto de tamanduá! rs

É Natural • Meliponicultura
As abelhas sem ferrão, ou meliponíneos, são nativas do Brasil, abelhas que já viviam no Brasil muito antes da introdução da estrangeira Apis mellifera (popularmente conhecida como europeia, italiana ou africana). As meliponas, representadas por centenas de espécies deste grupo, além de oferecer excelentes serviços ecossistêmicos, não tem ferrão, sendo dóceis e fácil de manejar para produção de mel. A criação de abelhas nativas (meliponicultura) é uma atividade intimamente ligada aos costumes sertanejos e o seu desenvolvimento tem colaborado para o incremento de renda de pequenos agricultores e, ao mesmo tempo, para a conservação dos ecossistemas onde ocorrem.

Embora sejam conhecidas grandes produtoras de mel, também produzem própolis e “pólen de abelha” (samburá), sendo produtos diretos dos serviços prestados pelas melíferas, utilizados pelas populações do Cerrado e da Caatinga como alimento ou medicamento tradicional. E como produto indireto, a polinização, sendo de grande relevância na manutenção dos ecossistemas naturais, na manutenção dos ecossistemas agrícolas e, consequentemente, na produção de alimentos, posto que, sem polinização as plantas não produzem sementes e frutos, e não se reproduziram para garantir o crescimento e a sobrevivência da vegetação nativa.


Natu 31 • 14/10/2022 • Ariranha (Pteronura brasiliensis) • Redação • Direção: Rodrigo Viana; Conteúdo: Henrique Rodrigues; Livia Malatrasi; Rebeka Câmara; Fotografias: Caroline Leuchtenberger; Ricardo Eduardo Vicente (Arquivo pessoal). 

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