Natu 27

Espécie • Aranha-de-prata (Argiope argentata
Conhecida também como aranha-dos-jardins e aranha-tecelã, essa bela aranha pertence à família Araneidae e gosta dos ambientes quentes como florestas e prados das Américas. No Brasil é uma das aranhas mais comuns. As fêmeas possuem cerca de 2 centímetros de corpo, já os machos são menores. Sua teia é orbicular, geralmente feita em arbustos e plantas ornamentais de jardins ou perto do solo. Alimenta-se de borboletas, mariposas, abelhas e outros insetos polinizadores. A decoração da teia é feita em formato de X - característico da espécie - com uma estrutura chamada de estabilimento no formato de zigue-zague. A teia não possui centro, pois é no centro onde a aranha costuma passar a maior parte do tempo e ao descansar. O estabilimento pode refletir luz ultravioleta, muitas vezes visível para insetos, o que facilita na captura de alimento, entre outros benefícios. Praticam canibalismo durante ou após a cópula. Seus principais predadores são os lagartos, vespas e aves. Para os humanos a picada dessa aranha é relativamente inofensiva, causando vermelhidão, ardência e inchaço local.


Curiosidade: O estabilimento (zigue-zague) construído nas teias pelas aranhas-de-prata ajudaram a desenvolver um produto para reduzir a colisão de aves em vidros, pelo fato de refletir luz ultravioleta.




Na trilha • Primeiro Congresso Brasileiro de Trilhas 
Lembra da Rede Nacional de Trilhas de Longo Curso e Conectividade ou simplesmente Rede de Trilhas? Em maio foi realizado o primeiro Congresso Brasileiro de Trilhas com o objetivo de capacitar e integrar as pessoas responsáveis por promover a implementação das trilhas de longo curso no território nacional. A rede de trilhas foi apresentada aos participantes com o intuito de deixar essa conexão mais forte no Brasil. O evento foi, e é indicado para todas as pessoas, desde gestores, professores, pesquisadores, organizações e voluntários envolvidos com meio ambiente, seja para conservação, cultura, educação, esporte, lazer, etc. Para saber mais e ficar ligado na próxima edição, acesse: http://www.redetrilhas.org.br.

As trilhas servem não somente para fazer o exercício de trekking, mas também para educação ambiental, promoção da conservação da biodiversidade e da natureza, conexão entre paisagens, biomas e outras áreas, oportunidade de realização do  ecoturismo e desenvolvimento econômico das comunidades. Lembre-se: trilhar é reconectar-se e reencontrar-se, além disso, auxilia na promoção da saúde. Siga as instruções e as pegadas e boa trilha!
Entrevista • Insetos, conhecimento e natureza por Roberth Fagundes 
Biólogo, Doutor em Ecologia e Conservação dos Recursos Naturais (Ênfase em Comportamento Animal e Interações) pela Universidade Federal de Uberlândia, Mestre em Ecologia de Biomas Tropicais (Ênfase em Ecologia Terrestre) pela Universidade Federal de Ouro Preto e Bacharel em Ciência Biológicas (Ênfase em Ecologia) pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professor Adjunto de Biologia (Área: Zoologia Geral) do Instituto de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, no Ceará (Brasil). Coordenador do Curso de Ciências Biológicas do ICEN. Leciono disciplinas de graduação para os cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas e em Ciências da Natureza e Matemática. Realiza atividades de ensino, pesquisa e extensão sobre Biodiversidade, Comportamento e Interações Animais coordenando o Grupo de Pesquisas INTERZOA. Realizo ações para o ensino de ciências biológicas, divulgação científica e inclusão social. Trabalho pela Conservação da Biodiversidade, pela Educação Ambiental, pelo Preservação da Cultura Socioambiental e pelo Desenvolvimento Ambientalmente Sustentável.

A nossa organização tem como mascote tamanduá, insetívoro por excelência. Assim vamos direto ao que interessa, quais são os segredos das formigas? 
Quando as pessoas pensam em formigas logo pensam nelas como pragas ou como alimento de animais como tamanduás, rs. E muitas vezes as pessoas acham que toda formiga é igual, as vezes diferenciando entre as doceiras, as que mordem e as que carregam folhas. Mas poucos sabem que existe uma diversidade enorme de formiga no mundo, mais que o dobro de espécies de mamíferos por exemplo. São mais de 16 mil espécies, só no Brasil, temos mais de 1500 espécies, 522 endêmicas do nosso país. E, tão grande quanto sua diversidade é a variedade de formas, hábitats, nichos e comportamentos que as formigas possuem. Só por base, elas vivem em colônias, de forma social, com um sistema super organizado de trabalho e convivência. Seus ninhos são praticamente mini cidades. Com comportamentos tão complexos, e tão próximos aos nossos, já seria um grande segredo revelado. Mas, podemos ainda citar, que as formigas não só habitam praticamente todos os lugares do mundo, até nossas casas, mas elas também atuam em praticamente todos os serviços ecossistêmicos atribuídos aos animais, desde a polinização e a dispersão de sementes, até a alimentação de animais como o tamanduá e,  inclusive, os humanos. Portanto, a diversidade e importância ecológica das formigas é, mas não deveria ser, um segredo, que precisamos divulgar o mais rápido possível.

A sua trajetória tem importante presença de formigas, por quê? 
Eu comecei meus estudos acadêmicos interessado em taxonomia de animais, sempre gostei de descrever os bichos e suas diferentes formas. Na UFOP, onde me formei, um dos professores trabalhava com insetos, grupo que eu me interessava muito, e calhou que ele trabalhava com formigas também e me encaixou no seu projeto. A partir daí eu me interessei muito por formigas e fui me aprofundando no estudo de mirmecologia, e gostando cada vez mais. Num momento, comecei a me interessar em estudar comportamento animal, e por orientação do professor Kleber Del-Claro, que também estuda formigas, acabei me consolidando como mirmecólogo. Mas, mesmo especializando em formigas, sempre mantive me mente aberta para oportunidades, até porque sou apaixonado por todos os animais, e tive oportunidade de trabalhar com ornitólogos, herpetólogos e mastozoólogos, mas as formigas sempre estiveram no centro da minha carreira e são, de fato uma paixão.
O que é mais difícil ao estudar as formigas? Por que precisamos continuar as pesquisas sobre esses animais? 
Existem duas dificuldades, ou desafios, em estudar formigas. O primeiro é que elas são muito diversas, tanto em espécies como em genética de populações, assim, dependendo do grupo, você pode passar a vida toda estudando uma espécie e não compreender ela toda. Mesmo com o esforço notável dos mirmecólogos taxonomistas em descrever espécies e suas relações filogenéticas, elas ainda são muito diversas e muito dessa diversidade ainda está para ser descrita. Por outro lado, elas são muito abundantes e comuns, o que facilita realizar estudos de larga escala e longo prazo A segunda dificuldade é o tamanho, elas são muito pequenas, e maioria das espécies são microscópicas e vivem em lugares de difícil acesso. Isso dificulta entender a biologia delas,  e assim compreender melhor sua diversidade e seu papel ecossistêmico. Por outro lado, , o reduzido tamanho as tornam fáceis de coletar, armazenar e identificar, elas respondem rápido a alteração ambiental, podem ser facilmente manipuladas, e não custa muito fazer pesquisa com elas. Precisamos continuar pesquisando sobre formigas porque elas são um dos grupos dominantes do planeta, portanto elas impactam significativamente no funcionamento da natureza, elas desempenham muitos serviços ecossistêmicos sendo portanto fundamentais para a sustentabilidade dos recursos naturais, e elas estão atreladas a nossa vida, interagindo diretamente conosco, seja nos ajudando ou prejudicando, e portanto, entender as formigas é parte de entender nossa própria biologia. 

Seu trabalho aborda muito as interações entre espécies e geralmente a gente pensa sobre espécie de forma mais isolada. Quando é importante entender de forma isolada e quando de forma integrada? 
Eu dedico minha pesquisa a entender as relações entre as espécies e seus impactos em cada uma isoladamente. Considero de extrema importância estudar cada espécie isoladamente, para termos entendimento da natureza de uma espécie e entendermos o que é preciso para que ela viva ou seja conservada quando ameaçada. Porém, mais do que nunca sabemos que vivemos em uma natureza interconectada, onde ninguém vive isolado de ninguém, ou seja, as ações de uma espécie alteram as ações das outras que convivem com ela, e essas interações criam consequências e propriedades emergentes que são inerentes da existência das espécies em interação e não apenas delas isoladas. Por exemplo, a produção de frutas é uma consequência da interação entre espécies de plantas e polinizadores, sem as duas juntas e interagindo, não temos polinização, que é a propriedade emergente da interação entre um inseto que consome o recurso floral e a planta que recebe o transporte de pólen. Não temos alimento se planta e polinizador estão juntos mas não interagem. Portanto, compreender a biologia de uma espécie isoladamente e em interação é fundamental para compreender a história natural inteira dessa espécie. No caso das formigas e o homem, é mais importante ainda entender interações, pois muitas espécies de formigas agem de forma redundante em um tipo de interação, portanto a interação é mais importante que a espécie isoladamente. Portanto, saber qual interação as formigas fazem, como pragas ou parceiras, é tão importante quanto saber o que cada espécie faz individualmente, para entender como as formigas influenciam na nossa vida.



Quais outros grupos da biodiversidade passaram a ser estudados para melhorar suas percepções e análises? 
Muitos animais interagem com formigas. Se pensarmos em predação, quase todos os vertebrados carnívoros comem formigas em algum momento. Até humanos comem formigas em algumas culturas. Portanto, são base na cadeia trófica. Logo, é importante estudar a relação de formigas com vertebrados pra entender melhor sobre eles, como os tamanduás não é mesmo, que são muito dependentes de formigas e afetam muito a ecologia populacional das mesmas. Plantas também são importantes para entender formigas, pois elas vivem e se alimentam em plantas, algumas das plantas, portanto podem interagir com elas em todo o espectro de interações, de benéficas a maléficas. Você tem por exemplo polinização, dispersão, proteção, inquilinismo, predação, entre outros. As formigas também interagem como vários invertebrados, principalmente outros artrópodes dos quais elas se alimentam. Mas também há situações em que elas formam mutualismos com insetos, como hemípteros e larvas de lepidópteros, trocando comida por proteção contra predadores. Também vale citar a relação de formigas com fungos. As formigas saúvas cortadeiras não comem folhas, como muitos pensam, mas sim usam a s folhas para cultivar um fungo do qual ela se alimenta exclusivamente, e há formigas que são parasitadas por fungos, e estes causam sérios prejuízos populacionais. Por fim, é importante também ressaltar que muitos microrganismos vivendo fora e dentro das formigas são cruciais para sua sobrevivência. Ou seja, as formigas interagem com toda a biodiversidade, e é importantíssimo entender seu papel nessa rede da vida. 

O que é trofobiótico? Que associação prática essa palavra pode ter no nosso dia-a-dia? 
Chamamos de trofobiose a uma interação interespecífica, geralmente mutualística, na qual um dos benefícios recebidos é alimentação e o outro é a proteção contra inimigos naturais. Muitas formigas fazem essa interação com plantas, hemípteros (como percevejos, cochonilhas, pulgões) e lagartas de borboletas, apesar de que trofobiose é geralmente usado apenas em relação a esses dois últimos grupos. Eu estudei trofobioses de formigas no meu mestrado e doutorado, pois eu queria entender qual o benefício que os hemípteros estavam ganhando ao fornecer suas excreções como alimento pras formigas, que geralmente são suas predadoras. è uma relação muito semelhante com o gado leiteiro, no qual os humanos retiram o leite das vacas e em troca protegem essas vagas de predadores, parasitas e doenças, quando isso é feito de forma correta assegurando o bem estar animal. Eu gosto de estudar trofobioses porque elas contam duas histórias importantes, primeiro, entender como essas relações trofobióticas evoluem é fundamental para entender como os mutualismos evoluem e como as formigas e seus parceiros evoluíram juntos. Considerando que as espécies de formigas que fazem trofobioses são relativamente muito comuns e abundantes, inclusive são aquelas doceiras da nossa casa, e muitos desses hemípteros são pragas agrícolas que podem se intensificar pela proteção de formigas, entender trofobioses de formigas faz parte de entender como manejar agrossistemas, principalmente de forma ecológica. E segundo, essas relações mutualísticas, como as trofobioses, nos ensinam muito sobre os benefícios infinitamente maiores de sermos cooperativos uns com os outros do que competitivos, e que quando trabalhamos juntos podemos evoluir juntos e de forma mais efetiva. 

O que é InterZOA e quais resultados já foram alcançados? 
O InterZOA é o Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Interações Animais. É um grupo de estudantes de biologia da UNILAB, coordenado por mim, e com parceria em outras universidades e instituições. Foi criado com três objetivos fundamentais, Primeiro, criar, organizar e manter a Coleção Zoológica da UNILAB, que dá suporte às atividades curriculares e de pesquisa, que hoje conta com um grande acervo de doações e depósitos de espécimes oriundos de trabalhos científicos. Segundo, servir como articulador de esforços para estudar os animais do Maciço de Baturité, que são muito pouco compreendidos e descritos, apesar de sua grande diversidade estimada, e hoje temos 32 colaboradores distribuídos em subgrupos de estudos de herpetologia, ornitologia e entomologia. Ainda falta muito, mas estamos aumentando nossas redes de colaboração para cada vez mais estudar os animais da nossa região. E terceiro, estudar as interações entre os animais, especialmente entre os animais e o homem, que fazemos através de uma massiva campanha de projetos de extensão e divulgação científica junto às escolas, ONGs e governos locais para aproximar mais a população da fauna nativa de forma ecologicamente consciente, quebrando barreiras impostas por preconceitos contra a fauna e reduzindo essa visão de que os animais são recursos a serem explorados, comida ou fontes de doenças, e mostrando para as comunidades que todos vivemos no mesmo meio ambiente e somos parte de uma mesma rede de interações, onde quando um sofre todos na rede sofrem junto, logo conservação ambiental é conservação da vida animal como um todo, inclusive a nossa vida.

Natu 27 • 12/06/2022 • Aranha-de-prata (Argiope argentata) • Redação • Direção: Nathália Araújo; Conteúdo: Amanda Costa; Nayra Gualberto; Rodrigo Viana; Fotografias: Feliphe Novais; Maicon Oliveira.

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