A pardal que se embolou

Cicera Vanessa Feitosa Morais


Mateus Benedito Instagram: @mateusbenedito

A história que vou contar se passa na cidade de Santa Teresa no estado do Espírito Santo. Eu me chamo Cora Coralina e nasci em um dia chuvoso de verão junto com meus dois irmãos, Gilberto Gil e Nelson Mandela, somos uma família de pardais. A mamãe diz que nossos nomes foram inspirados em humanos com histórias bem bonitas e são exemplos de humanos muito legais. Nós moramos na planta de um casal muito simpático, a mulher se chama Ranielle ela trabalha como biomédica e o homem se chama Bruno e trabalha como publicitário, mamãe disse que eles adoram livros e cinema e foi das histórias que eles leram ou assistiram que ela tirou nossos nomes.

Mamãe e papai construíram nosso ninho um pouco antes da gente nascer, eles pensaram que o casal iria tirar o nosso ninho da planta mas foi o contrário eles deixaram os ninho e sempre conversam com a gente e deixam alpiste e frutas pra nós.

No domingo depois do almoço sempre ficamos juntos, mamãe fica na cadeira fazendo tricô, papai fica no rádio escutando o jogo com meus irmãos e eu fico vendo passarinflix, adoro o seriado de uns amigos Falcões que mora cada um no seu ninho mas vivem mais no ninho de uma das Falcões que sabe cozinhar, eles vão vivendo as adversidades da vida adulta, são muito engraçados. Nesse dia mamãe estava explicando sobre um negócio de rede de neblina mas eu não liguei muito, Mandela então me pergunto:
- Cora você está prestando atenção no que a mamãe está falando?
- Não estou vendo meu seriado
- Seria bom ouvir é muito importante
- Ela vai repetir essa história de novo outro dia, depois eu ouço to vendo minha série.

No outro dia fomos para a escola, papai sempre nos leva até a porta, nós três estudamos na sala da professora Márcia, ela é uma bem-te-vi muito bonita e inteligente. Nossa sala é muito colorida, organizada e aconchegante, a professora Márcia diz que assim ficamos com mais vontade de ir para as aulas. Nesse dia ela explicou sobre a Amazônia, contou sobre suas biodiversidade, plantas e animais e como o bioma é importante para o nosso país e o mundo.

Depois que a aula acabou fomos para casa, pois é uma regra imposta pela mamãe, se a gente demora um minuto ela já se apavora. Pensei em pegar um caminho diferente nesse dia, então falei com meus irmãos:
- Meninos vamos para um lugar diferente hoje?
- Qual lugar? (perguntou Gil)
- Pelo parque ( disse mandela)
- ótima ideia
- Acho melhor não, lá parece perigoso (respondeu Gil)

Gil sempre foi medroso, já eu e Mandela sempre fomos aventureiros gostamos de fazer coisas diferentes e se quer pensamos nos perigos. Então eu falei:
- Vamos Gil deixar de ser medroso, não custa nada ir para um lugar diferente vai ser divertido.
- Mas a mamãe sempre diz para não mudarmos a rota de casa. (disse Gil)
- Vamos Mandela deixar esse medroso ir sozinho.
- Ele ficou meio sem jeito mas disse:
- Não, não vou, mas só dessa vez.

Então fomos pelo parque, paramos em uma árvore de pitanga que estava cheia de frutos novinhos e super deliciosos. Depois de comer passamos pelo lago para beber uma água e fomos embora, de repente eu fiquei presa em uma espécie de rede, quanto mais eu tentava sair mais eu me embolava naquilo, gritava de muito medo, o que seria aquilo? gritei:
- Socorro, socorro

Tentei procurar meus irmãos e lá estavam eles também embolados na rede, falei:
- Gil, Mandela, o que é isso?
- Não sei dizer (falou Mandela)
- Aí não, nós vamos morrer (disse Gil)
- E agora o que vamos fazer? não consigo me soltar.

Gritávamos como nunca tínhamos gritado antes na vida, eu pensava em mamãe e papai que nos orientava dos perigos e nunca prestei muita atenção, prometi que se saísse dali nunca mais desobedeceria eles.

Um homem começou a se aproximar, quando ele chegou mais perto vi que ele era alto, tinha barba e usava um óculos, ele me segurou e começou a me desembolar dali, eu só pensava que iria morrer e não viria nem meus pais e nem meus irmãos mais. Finalmente ele me tirou da rede e me colocou em saco, gritei meus irmãos mas eles não responderam então pensei no pior. Comecei a chorar de medo, eu queria sair dali, chorei tanto que acabei dormindo e acordei com uma voz me chamando, parecia a voz do Mandela, me recuperei e ouvir que era ele mesmo.
- Cora, Cora, você está aí?
- Mandela é você?
- Sim, sou eu, Cora!
- Que alegria ouvir sua voz
- Também estou feliz em te ouvir e saber que você está bem.
- Você ouviu o Gil?
- Não, será que aconteceu alguma coisa?
- Espero que não, se acontecer eu não vou me perdoar nunca, pois chamei ele de medroso e fiquei falando para ele vir conosco. (choro)
- Calma Cara, vamos torcer para ele está bem.

O saco se abriu, eu vi o céu azul e pensei - agora chegou a hora, vou morrer. A mão de um humano me pegou, eu até tentei escapar mas ele segurou de uma forma firme mas não forte, era o mesmo homem que me tirou da rede. Ele pegou uns instrumentos e começou a medir a minha cabeça, meu bico, minhas asas e minhas pernas. Enquanto ele ficava tirando as medidas, uma mulher de cabelos cacheados, pele negra e chapéu na cabeça anotava o que ele falava. Assim que ele terminou ele me passou para a mulher de chapéu, ela me pegou bem devagar e vi que ela era muito bonita mas deixou de ficar quando colocou uma agulha no meu pescoço e tirou meu sangue, doeu muito e achei que ela que me mataria. Ela terminou e me passou para o mesmo homem, ele colocou umas pulseiras nas minhas pernas, em uma ele colocou uma prata com um número e na outra duas coloridas, branca e laranja.

Então o homem me soltou e voei o quanto pude e confesso que nunca voei tão rápido na vida, no meio do caminho lembrei de Mandela e voltei na mesma velocidade e quando estava chegando vi Gil em uma árvore, gritei de emoção:
- Gil, Gil meu irmão lindo
- Cora você está viva!

Nos abraçamos forte e até chorei e ele perguntou:
- Você está chorando Cora?
- Sim
- Por quê? Está machucada?
- Não, estou bem. Pensei que você tinha morrido.
- Não, eu estou bem aqui.
- Você também recebeu a pulseira?
- Sim, o que será isso?
- Não tenho a mínima ideia, tem um número, você viu?
- Vi sim, será um código secreto?
- Não sei
- E o Mandela, onde será que ele está?
- Eu o ouvi quando estava no saco, mas quando eles me pegaram na mão não ouvi mais.
- Cora, vamos chegar mais perto para ver se conseguimos vê-lo
- Mas Gil pode ser perigoso, eles já nos pegaram uma vez.
- Ficamos naquela árvore escondidos.
- Está certo, vamos!

Voamos até a árvore e ficamos escondidos atrás de uma folha grande, ficamos ali procurando por Mandela. Gil me cutuca e fala:
- Cora, olha ele ali
- Aonde?
- Na mão da moça
- Há não, ela vai tirar sangue dele
- Nossa vai doer, tadinho (disse Gil preocupado)

A moça tirou o sangue e o homem colocou as pulseiras nas pernas de Mandela e depois o soltou, vimos ele voando depressa e fomos atrás dele.
- Mandela, Mandela (eu gritei)
- Estamos aqui irmão (gritou Gil)

Ele parou, olhou para trás e meio sem acreditar voltou na nossa direção. Nos abraçamos forte e disse:
- Vocês estão vivos! (exclamou Mandela)
- Estamos sim e você também ( falou Gil)
- Vamos para casa meninos.

Fomos para casa e quando chegamos mamãe estava assustada e voava de um lado para o outro, estava tão assustada que o casal do apartamento percebeu e ficaram pensando no que estaria acontecendo. Quando ela nos avistou, saiu voando e nos abraçou, senti que ela estava tremendo e suando frio. Ela não perguntou nada até ver as pulseiras em nossas pernas durante a inspeção para ver se não estava faltando nenhuma pena. Então exclamou brava:
- Eu sabia que um dia isso aconteceria, vocês voltaram pelo parque não foi?
- Sim mãe, desculpa ( argumentou Mandela)
- Não mãe a culpa foi dos três ( explicou Gil)
- Até você Gil, o mais cauteloso de todos? (disse com uma voz decepcionada)
- Desculpa mãe (disse Gil)
- Mãe a culpa foi minha, ele não queria ir e nós o forçamos ( eu falei)
- Tudo bem vamos entrar e tomar um banho ( disse mamãe)

Quando estávamos entrando no ninho percebi que o casal também ficou feliz com a nossa volta, depois que saímos do banho vimos que tinha frutas na varanda e fomos comer um pouco. Quando terminamos cantamos um pouco na janela em forma de agradecimento.

Papai chegou e outro alvoroço aconteceu, pois ouvimos muitas broncas mas dava pra ver no olhar dele que estava aliviado de estarmos vivos. Ele voltou a explicar sobre as redes de neblina e dessa vez prestei bastante atenção para não cometer o mesmo erro de novo.

Antes de dormir ficamos vendo a lua e as estrelas da varanda, quando percebi estava passando no jornal da sala do casal o homem que colocou as nossas pulseiras. Ele falava que estava fazendo uma pesquisa no parque sobre a biologia das aves e a rede era uma forma de nos capturar, em nenhum momento aquilo seria para matar passarinhos e que eles estava estudando as espécies de aves que viviam naquela região e as pulseiras com os números era uma forma de monitorar os animais. O nome do projeto se chama “ Você viu uma ave usando pulseira?” Ele explicou que todos os estudos servem para preservar as espécies de aves. Eu vi que o casal até seguiu o projeto no instagram para acompanhar e saber mais sobre o projeto.

Bom ,tudo isso me serviu de muita lição, a primeira e a de obedecer meus pais e a segunda é que nem todos os humanos são ruins, alguns até deixam uma família de pardal fazer o ninho na planta de casa e gosta de projetos que cuidam de aves.

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Esse conto, escrito por uma colaboradora do projeto @avesdajanela, foi publicado no livro: Observadores de pássaros: contos de passarinhos, antologia de contos, Volume 2. Publicado pela editora Ecodidatica, em parceria com o projeto @aves.usando.pulseiras. O livro completo pode ser acessado no link: editoraecodidatica.com.br.

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